EM ÁFRICA
Nicolau Saião
Entre mim e as janelas há o rio e as árvores
e milhões de anos feitos para a gazela e a marabunta.
Dionísio teria percorrido a savana e a montanha
quando ainda não havia rastos de camião
nem o mar sepultava pensamentos e memórias
entre um olhar e um silencio.
Serena era a madrugada, subitamente despertando
um vôo de coruja sobre os ombros de quem velava
- pastor e aguadeiro -
homem que na terra colocava a semente do tempo
ou do milho fremente para os sonhos e os minutos.
Algures, junto a uma parede devastada
onde a cal cristalizara a inocencia e a perfídia
as abelhas eram a equivalencia perfeita
do universo gerando a carne negra e branca
que dos livros guardara a misericórdia e o temor
de anos e anos a vir.
Há um grande e perpétuo rumor que faz pensar
em Orion e no Cruzeiro do Sul
mesmo quando o sol ainda risca a figura
incontusa dos sete pontos cardeais.
Qual o fulgor
que viaja entre oriente e ocidente
- os campos do mamute e da zebra primaveril -
mesmo quando a época das gramíneas refloresce
entre lua e penumbra?
Na terra
marco os dedos e os vestígios
de avós e bisavós
mas o contorno das palavras que escrevo e que despertam
as sombras do passado e do futuro
hei-de lembrá-las sempre
impolutas sobre o rio, sobre as casas, sobre os homens
que vi e que inventei.